Gesto Heróico*
A sineta bateu, convocando o colégio.
A sala estava cheia... O diretor – egrégio
E antigo mestre – entrou.
Ninguém o reparara;
Falavam de uma falta enorme: alguém roubara
Da bolsa de um aluno a clássica merenda.
E o castigo era grande: - uma surra tremenda,
Vinte varadas!... Qual seria o desgraçado
Que iria suportar o braço desalmado
Do velho diretor, aplicando o castigo?
Talvez fosse um colega ou um bedel antigo...
Havia tanta gente ali, humilde e pobre...
E a aparência, afinal, muita miséria encobre...
Enorme burburinho enchia toda a sala...
- Silêncio! – brada o mestre – Aqui ninguém mais fala.
Houve uma falta grave – um roubo. E é oportuno
Que eu fale claramente: esse tão mau aluno,
Que cometeu tal erro, há de pagar bem caro.
Bem caro, estão ouvindo?
E o que mais eu reparo
É ver que foi debalde o esforço de ensinar-vos
O caminho do bem, da retidão... Mostrar-vos
Que se deve vencer por força de vontade;
Que acima de qualquer febril necessidade
Se coloca o dever!... E eu vejo que as virtudes
Não orientam mais as vossas atitudes!...
O murmúrio aumentou; todos se entreolharam;
E numa singular atitude calaram,
Como para mostrar a força que os fazia
Solidários na dor, na culpa ou rebeldia...
Mas, num canto da sala, humilde, magro e pálido,
Levantou-se um menino. O seu aspecto esquálido
Bem claro demonstrava a miséria sem nome
Que lhe vidrava o olhar nas convulsões da fome.
E, num gesto de quem se vota a um sacrifício
- Como um santo a sorrir no instante do suplício –
Confessa: - Diretor, tinha uma fome cega
E por isso roubei o lanche do colega!
Fiz mal; ninguém tem culpa; é verdade o que digo!
Estou pronto, portanto, a sofrer o castigo...
E seguiu cabisbaixo em direção do estrado
Em que todo faltoso era sentenciado.
E o velho diretor lê o código interno:
“O aluno que roubar um lanche ou um caderno,
Nas costas, levará vinte fortes varadas.”
E, isso dizendo, despe as costas maceradas
Do pequeno réu...
Vibra o primeiro açoite...
Um gemido se ouviu como um grito na noite...
Outra pancada estala... As pernas do garoto
Começavam a tremer dentro do calção roto...
E o seu olhar voltado ao azul da imensidade
Parecia implorar um pouco de piedade...
E uma onda de horror, de revolta e protesto,
Brilhava em cada olhar, vibrava em cada gesto...
Nisto, um jovem robusto e com porte de rico
Ergueu-se resoluto e disse: - Eu vos suplico
Que permitais, senhor, que eu sofra o seu castigo!...
A merenda era minha e ele foi sempre amigo!...
Mas, se é lei, que se cumpra a lei!...
E, sobranceiro,
Seguiu para o lugar do pobre companheiro;
Tirou o paletó, curvou-se resignado
E deixou que o castigo em si fosse aplicado.
Quando soturnamente a última vergastada
Estalou, com um ai, na costa ensangüentada
Do inesperado herói, o pequeno poupado,
Soluçando, abraçou seu protetor amado;
Beijou-o humildemente e disse-lhe baixinho,
Num gesto fraternal e cheio de carinho:
- Foste o meu salvador, meu nobre e bom amigo,
Pois sofreste por mim as dores do castigo
Que mereci, bem sei, mas não o agüentaria,
Dada a minha profunda e crítica anemia...
Fui culpado de tudo e nunca o desejara...
Suplico-te: perdoa a minha ação ignara!...
Eu saberei ser grato ao bem que me fizeste,
Implorando ao Senhor a proteção celeste
Sobre ti e o teu lar, na certeza que o mundo
Será em tua vida um roseiral fecundo,
Pois onde eu me encontrar, exaltarei, estóico,
O sublime esplendor desse teu gesto heróico!...
***
Nós somos neste mundo uns míseros culpados:
Criminosos, infiéis e cheios de pecados...
Roubamos nosso irmão, o próximo enganamos,
Perseguimos o justo, o trânsfuga exaltamos,
E tudo o que é de mal fazemos sem piedade,
Para satisfazer nossa perversidade...
E quando a mão de Deus aplica, certo dia,
A justa punição à nossa rebeldia,
Jesus volta de novo ao cimo do Calvário
Para, por seu amor divino, extraordinário,
Receber em seu corpo os látegos e os cravos,
Destinados a nós, miseráveis escravos
Do pecado e do mal!
Por isso, ó Mestre amigo,
Que sofreste, perdoando, a dor do meu castigo,
Recebe o meu afeto humilde, mas sincero,
E a minha gratidão profunda, pois Te quero
Exaltar em meu ser e em toda a minha vida,
Nessa consagração de uma alma agradecida,
Que vê, no teu amor e em teu suplício estóico,
A glorificação de um sacrifício heróico!
*Este poema já havia sido publicado por aqui, mas com uma formatação totalmente equivocada. Desta vez pude transcrevê-lo corretamente, diretamente do livro onde se encontra.
Boa noite írmão, sou admiradora desde infância das poesias de Mario Barreto.Nossa geração, trás, durante centenas de anos desde bisavós, até nós, recitando suas poesias; Estou nesse momento tentanto encontrar fuga para o egito, no entanto sem sucesso.Parabéns pela iniciativa.Que Deus o continue abençoando.
ResponderExcluirEu também procuro essa poesia que me traz muitos momentos maravilhosos da infancia pois minha tia recitava na rádio Difusora de Tres Laoas MT . Gostaria muito de ter o pivilegio de recitar as poesias em minha igreja . Me chamo Edna Miranda
ExcluirMinha avó recitava os poemas do Mario e pediu-me para procurar na internet um que ela muito gosta : Sublime Sacríficio
ResponderExcluirEla quer recitar no dia 7 de setembro.
Não consigo achar. Será que vc a tem?
ola, eu gostaria de receber o poema o velho mestre de mario barreto franca, o qual minha esposa recitava na escola na decada de 70, que por acidente o perdeu
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