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quinta-feira, março 03, 2022

Poemas de John Donne - Artigo de Roberto Torres Hollanda



Roberto Torres Hollanda

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                   Por causa da medonha e cruel Pandemia (que parece ser impossível de chegar ao fim; se a vontade divina quiser, somente no dia certo acabará), fui levado para a Asa Norte de Brasília, onde sentimos igualmente sua ameaça.

                   Comentando o flagelo sanitário e social imposto pelo COVID-19, de alcance mundial, num sermão o pastor Francisco Carlos Soares de Menezes combateu a ansiedade, agora exarcebada, e resumiu o desfecho com a expressão “Deus não tem pressa”.

                   Tive, então, fazendo uma pausa, bastante tempo para ler alguns poemas, que entraram na hinodia, escritos por um dos mais importantes literatos da Inglaterra, talvez o poeta inglês mais original depois de Shakespeare.

                   John Donne (1572-1631) pelos críticos literários Ben Jonson (1572-1637) e John Dryden (1631-1700) foi associado ao movimento barroco denominado “poesia metafísica”.

                   T.S.Eliot (1888-1965) reavaliou o trabalho de Donne e de outros poetas “metafísicos”, assim definidos pejorativamente pelo crítico Dr. Samuel Johnson (1709-1784). Os ásperos ritmos do poeta Donne aborreceram os ouvidos do crítico.

                   Donne era admirado pelos intelectuais George Herbert (1593-1633) e John Milton (1608-1674).

                   No século 17, a literatura e a música da Inglaterra estavam no apogeu: as peças teatrais de Shakespeare, as críticas de Jonson e Dryden, os poemas de Donne, Herbert e Milton, a alegoria de Bunyan e a versão bíblica de James I.

                   Quando reinaram Stuarts, houve luta entre calvinistas e anglicanos, católicos romanos e católicos protegidos pela Coroa inglesa, entre políticos elizabetanos e jacobitas. Na Europa, ainda propagavam-se a Reforma (protestante) e a Contra-Reforma (católica).

                   Em breve período (1620-1630) Donne foi digno sucessor de William Shakespeare (1564-1616); não sei se Donne em sua poesia retrucava os versos do Bardo, porém a minha consciência introspectiva, por ele ter sido notório pecador, mas regenerado como poeta religioso, diz que Donne teve maiores oportunidades do que o seu modelo literário.

                   Donne também contribuiu para a renovação da poesia do seu tempo; substituiu as alusões mitológicas por conceitos originais; na poesia “metafísica” a conceituação tem muitaimportância. Na mentalidade da época, importava, e muito, o tema da morte, quase sempre tratado melancolicamente.

                   Por ser católico romano, foi discriminado em setores intelectuais (Oxford e Cambridge). Com efeito, abandonou o Catolicismo romano (era ilegal) e entrou numa terceira via.

                   Antes mesmo de tornar-se católico anglicano, entendia a morte de maneira diferente: “quem vier cavar nossa sepultura nos levará, a bispo ou a monarca, quais relíquias” (soneto “The Relic” – A relíquia). Donne adotou a ortodoxia anglicana para se habilitar à ordenação como sacerdote da Igreja oficial.

                   Em 1601 tinha sido demitido do cargo de secretário particular (advogado?) de lorde Egerton, por ter casado secretamente com Anne More; John e sua esposa tiveram 10 filhos.

                   Entretanto, James I (Jaime ou Tiago, rei, 1603-1625) ordenou que John se tornasse ministro anglicano. Em 1611 foi publicada a “King James Version”, obra de uma comissão de 50 eruditos.

                   John Dowland (1563-1626), o maior compositor inglês de música para alaúde, apadrinhou o ingresso de Donne nos círculos palacianos. Por isso, John foi nomeado, em 19 de novembro de 1621, capelão do rei e deão da catedral de São Paulo, em Londres; alí foi um notável orador sacro, talvez, modelo para os sermões do padre Antônio  Vieira (1608-1697).

Nessas funções continuou a ser discriminado por alguns confrades; ele, Dowland, outros poetas e músicos, foram “cancelados” por terem sido “papistas” (católicos ingleses subordinados ao papa). Dowland tinha conseguido, em 1612, ser empregado pela corte inglesa como lutenista de James I. Ele tinha lutado por oportunidades de trabalho na França, Alemanha e Dinamarca. Na Itália, envolveu-se, o que era natural acontecer, com católicos romanos. Sua visão de mundo era profunda e trágica (pecado, pranto e morte); sua obra é melancólica.

                   O jovem Pelham Humfrey (1647-1688), em seu estilo patético, musicou o poema religioso “To God, the Father”. 

                   No século 20, Donne não foi citado por Alphonso Gerald Newcomer em sua “History of English Poetry”.

                   A obra póstuma de Donne (publicada em 1633) compõe-se de: I – poesia profana: a) canções; b) sonetos; c) elegias: d) sátiras. II – poesia religiosa: a) poemas (sonetos); b) hinos. III – prosa: a) devocionais: b) sermões.

                   Donne influenciou Ernest Hemingway (1899-1961) com a meditação devocional XVII “never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee” – nunca mandes indagar por quem o sino dobra; ele dobra por ti.

                   John Dowland (1563-1626) foi dos primeiros compositores a aproveitar peças literárias de Donne, com a canção profana “Go and catch a falling star” – Apanha a estrela cadente; trata-se de peça de cunho misógino; além dessa, compôs “Sweet stay a while” e “To ask for all thy love”.

                   A obra de Donne expressa o realismo e a objetividade de sua vida; nela a Morte é lugar-comum em seus sermões, como nas cantatas sacras de J.S.Bach (1685-1750).

                   Tanto em prosa quanto em verso, Donne se preocupa com a morte e o conflito entre corpo e alma.

                   Num verso de caráter político, manifesta sua submissão ao rei Jaime I: “O my America! My new-found land, my kingdom, safeliest when will one man manned – Oh, minha América!

Oh, meu novo continente, meu reino (a Inglaterra), a salvo porque um homem, e não uma mulher, tens à frente. Além de machista, é imperialista: “My mine of precious stones, my empire, how blest am I in this discovering thee!” – Minhas minas de pedras preciosas, meu império; que abençoado sou por descobrir a ti!. James I recitava, com muita satisfação, estes versos.

                   Para dar uma noção a respeito da poesia religiosa (hinos) de Donne, transcrevo e traduzo:

a)   “Hymn to God, my God, in my sickness”:

 

1.   Since I coming to that holy room where with Thy choir of saints, for evermore, I shall be made Thy music; as I come, I tune the instrument here at the door, and what I must do then, think here before. 

– Oh, Deus, meu Deus, em minha enfermidade: Como ao sacro aposento estou para chegar, onde sempre estarei, afino aqui, antes de entrar, meu instrumento, meditando sobre o que devo fazer ao passar por Teus umbrais.

                   4. Is the Pacific Sea my home? Or are the eastern riches? Is Jerusalem? Anyan, and Magellan, and Gibraltar, all straits, and none but Straits, are ways to them, whether where Japhet dwell, or Cham, or Shem 

– Será verdade que o Oceano Pacífico é meu lar? As riquezas do Oriente? Ou é Jerusalém?

Seja por Anyan (estreito de Bering), Magalhães, ou Gibraltar, somente estreitos, não mais do que estreitos (Donne, irônicamente, diz que esses lugares só foram importantes depois de conquistados pela Inglaterra), são caminhos para a terra de Jáfé, ou a de Cam, ou a de Sem (não sou um “ressentido”, como explicado por Harold Bloom, mas creio que Donne, nestes versos, põe na boca do Império Britânico os seus projetos expansionistas; faz referência aos três filhos de Noé, cujos descendentes repovoaram a Europa, a África e a Ásia, e ao “estreito da febre”, para significar que deveria passar apertadamente pelo sofrimento durante a enfermidade.

                   5. We think that Paradise and Calvary, Christ’s cross, and Adam’s tree, stood in one place. Look, Lord, and find both Adams met in me; as the first Adam’s sweat surrounds my face; may the last Adam’s blood my soul embrace. 

– Pensamos que o Paraíso e o Calvário, a cruz de Cristo e a árvore de Adão, ficam em um lugar. Oh, Senhor, procura e acha (aqui Donne está petulante) os dois em mim; o suor do primeiro estará na minha face; que o sangue do último Adão minha alma abrace.

                   6. So, in His purple wrapped, receive me, Lord; by these His thorns give me His other crown; and, as to others’ souls I preached Thy word, be this my text, my sermon to mine own; therefore that he may raise the Lord throws down. 

– Em Sua púrpura envolto, Senhor, dá-me a Sua outra coroa, em vez da do sofrer (Donne diz que a coroa de glória substituirá a coroa de espinhos). Como a outros, preguei a Tua palavra. Continua a ser meu texto e meu sermão, para eu mesmo ler, pois o Senhor derruba, a fim de soerguer”.

b)   “Hymn to God, the Father”

“1. Will Thou forgive that sin, when I begun, which was my sin, though it were done before? Wilt Thou forgive that sin, though which I run and do run still, though still I do deplore? When Thou hast done, though hast not done, for I have more.

O poeta, subliminarmente, põe o nome de sua família (Donne) neste verso.

          - Esquecerás o pecado quando eu começar a praticá-lo; que era o meu pecado, embora o tenha praticado anteriormente?

            Esquecerás o pecado, quando cometo e volto a praticálo, embora eu o deplore? Quando Tu o tenhas perdoado, ou isto não o tenhas feito, porque eu tenho mais pecado.

                   Agora, um exemplo de poesia profana (canção):

                   “Go and catch a falling star”

                   “If thou beest born to strange sights, things invisible go see, ride ten thousands days and nights, till age snow white hairs on thee; thou, when thou return’st, wilt tell me all strange wonders that befell thee, and swear nowhere lives a woman true and fair” 

– Se tens atração por visões estranhas, queres ver coisas invisíveis, precisarás de dez mil noites e dias (27 anos), até que a idade faça a neve cobrir tua cabeça com cabelos brancos; então, quando retornares, narrarás todas as estranhas maravilhas que te surpreenderam, e jurarás que em algum lugar vive uma mulher bela e pura.

                   Em 1945, Benjamim Britten (1913-1976) ao visitar um campo nazista para extermínio dos Judeus, teve a inspiração de compor nove músicas (opus 35) para sonetos religiosos de Donne para o VII escrevendo: “All whom the flood did, and fire shall overthrown, all whom war, dearth, age, agues, tyrannies, despair, law,

chance, hath slain, and you whose eyes shall behold God, and ne-

ver taste death’s woe” 

– Todos os que no dilúvio foram, e no fogo irão; todos que a guerra, a peste, a idade, o crime, os acasos, as tiranias, o desespero, a lei e a oportunidade mataram, e você, cujos olhos verão a Deus, nunca experimentarão o amargor -da morte.

                   No soneto religioso X, corajoso, Donne afirma:

“Death, be not proud” – Morte, não te orgulhes. ‘One short sleep past, we wake eternally, and death shall be no more. Death, thou shalt die”. – Morte, um breve sono a vida eterna traz, e vai-se a morte. Morte, morrerás.

                   A poesia de Donne foi descurada durante quase 400 anos; em sua juventude produziu os poemas profanos, ou excitantes; na velhice, os religiosos, ou calmantes.

                   Seu dualismo prenunciou a fragmentação cultural e espiritual dos tempos modernos. Pensamos, com Anniia Jokinen, que ainda enfrentaremos novos desafios e pressões, culturais e sociais.

                   Até a MPB (Música Popular Brasileira) garimpou na poesia profana de Donne (elegia XIX: “all rest my powers defy” - Meu corpo desafia todos os ócios – 1620): a versão de Augusto de Campos, musicada por Péricles Cavalcanti, deu (em 2020, depois de 400 anos) a chancela à linguagem malemolente, na voz de Caetano Veloso.

                   Se o prezado leitor tiver conhecimento de algo escrito por John Donne que possa ser aproveitado na hinodia evangélica, sua contribuição será muito bem recebida por mim.


                   Referências bibliográficas

Edições impressas

CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Universal,

                                           Vol.3, 2ª. Ed. Rio de Janeiro:

                                           Alhambra, 1980.

GEORGE, Timothy. Lendo as Escrituras com os Reformadores.

                                 São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2016.

GRIERSON, HERBERT. Donne: Poetical Works. Oxford: 1933.

HILL, Christopher. O século das revoluções (1603-1714).

                                  São Paulo: Editora UNESP, 2012.

HUNT, C. Donne’s Poetry. New Haven, USA: 1955.

INSTITUTE OF HISTORICAL RESEARCH. Fausti Ecclesiae

                                 Anglicanae, Vol. 1. London: St.Paul’s, 1969.

JOKINNEN, Aniina. Donne Songs and Sonnets.

                                  Helsinki: 2000.

JOKINNEN, Aniina. Poems of John Donne, Vol.I.

                                  London: E.K.Chambers, 2014.

KUHN, Anne W. Early English Hymns of the Pre-Wesleyan Period.

                             Asbury Seminary, 1949.

LE HURAY, Peter. Music and the Reformation in England – 1549-

                                1660. New York, NY, USA: 1967.

PARKS, Edna D. English Hymns and their tunes in the 16th and

                            17th Centuries.

                            Yale University, 1935.

PARKS, Edna D. Early English Hymns: an Index.

                            Metuchen, New Jersey, USA: Scarecrow, 1972.

VIZIOLI, Paulo. John Donne, o poeta do amor e da morte.

                            São Paulo: Ismael Editora, 1985.

WEBER, V. Contrary Music. The Prose Style of John Donne.

                            Madison, 1964.

EVANGELICAL LUTHERAN HYMNARY, no. 498.

THE HYMNAL (1982), nos. 140, 141 e 322.

 

Edições eletrônicas

Canção “To ask for all thy love” – Nicholas Murray/Elizabeth

                                                            Kenny

Canção “Weep you no more” – Anne Sofie von Otter

Canção “Go and catch a falling star” – John Renbourn

Canção “I fear no more” – Anton Batagov

Coral “On the death of the righteous” – Jennifer Higdon

Elegia XIX – Caetano Veloso.

Hino “Hymn to God, the Father” – Pelham Humfrey

Hino – “To God, the Father” – Michael Tippet

Hino “Hymn to God, the Father” – The White Brothers

Soneto X – Charles Szabo.

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Brasília, DF, 27 de fevereiro de 2022. Roberto Torres Hollanda

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http://www.hinologia.org/       http://poesiaevanglica.blogspot/


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