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segunda-feira, outubro 24, 2022

A exposição dos sóis: A poesia de Julia Lemos


Em seu mais recente livro, a autora Julia Lemos convida o leitor a um café na aconchegante, atlântica e fluvial Recife, a de concreto e a de sentimento. Ainda mesmerizados pela noite e a cidade, arrojados somos numa ponte aérea (etérea?), e aportamos (poisamos?) em Portugal, lugar da morna solidão da poeta e das paisagens azuis e ancestrais. A seguir, transcendentes na transcendência, somos lançados de encontro ao Luminoso, numa sequência de poemas sacros, feridos de sequiosa suavidade. Ao fim, a poeta, fiel ao seu ofício, transcorre o elogio daqueles poetas outros que lhe inundaram o peito. 

Destes compartimentos é feito A exposição dos sóis (Penalux, 2017), magnífica obra em que o amor, flor de todas as estações, percorre seu périplo em versos intimistas, de maturidade e langor, e a poesia, lugar central dos criados à imagem do Verbo, recebe sua celebração.

Para aqueles que desejam adquirir o livro, podem entrar em contato com autora através de seu perfil de Facebook (AQUI).

Abaixo, selecionamos alguns poemas do livro.


A VISITA

 

Existe um perfume onde tu estás,

uma fragrância de rosas cálidas.

Alguma nota cítrica:

toques leves de malva e cássia.

 

Além do perfume com que te anuncias,

uma luz diáfana. Vens assim

em suave aragem pela minha sala.



MANGA DOCE ROSA

 

Cidade soturna, silenciosa

mas se você quiser há barris de tangerinas

folharais de acerolas ingás de veludo,

jambos vestidos do cetim mais rubro.

Ainda outros tricotados em feltro rosa - claro.

 

O sol viajando desde Singapura

projeta-se ardente

sobre lama e musgo.

 

Semimadames pouco vestidas

acima e abaixo da cintura

serpenteiam sobre

calçadas bordadas de miçangas.

 

De um guapo suco de manga

ouço os pregões como as únicas vozes

líricas possíveis;

 

Nas ruas bonitas da cidade

a vida parece abstrata, enferma e longa.

No centro velho do Recife, desde há séculos

a alegria torna a vida tão intensa quanto curta.

 

 

O OFÍCIO

 

Escrevo pelos que estando à frente da batalha

tiveram medo.

 

Carrego comigo a voz daqueles que se

viram impedidos.

 

Escrevo afinal pelos distraídos,

os ausentes, os perdidos.

 

Acredito que um poema se faça necessário

naquela tarde em que as certezas se esvaem todas

e pelas rimas pode-se ver a história por outro prisma.

 

Ordinariamente escrevo com alegria,

minhas palavras não murcham como as flores

diante da tristeza.

 

Escrevo sobrepondo outra página

num desfecho que parecia irreversível.



COMO O PROFETA

 

Fez-se tarde.

e provida estou

do ouro desse dia.

 

Há prata,

que a noite

pulverizou por toda a casa.

 

Espero as visões

que virão me despertar

nesta madrugada,

quando Deus começar

a falar comigo.

 

Nessa hora,

as ataduras da servidão serão desfeitas

e cavalgarei sobre os altos da terra

quando Ele começar a falar comigo.



PALAVRA

Amigos me perguntam

o que é ser poeta.

 

Digo que é fazer

a reportagem do mistério,

 

romper o silêncio

além da exterioridade do dia

 

- que passa, 

requerendo da pedra

a palavra.

 

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