Selmo Vasconcellos é escritor, poeta, antologista e ativista cultural. Ele mantém a página literária semanal intitulada LÍTERO CULTURAL no jornal Alto Madeira, de Porto Velho, RO, desde 1991. Conheço o Selmo desde antes de minha conversão, quando mantinha correspondência literária com ele e vários outros promotores culturais por esse Brasil à fora. Selmo também mantém um blog dedicado a entrevistar escritores, poetas, editores, pintores e artistas em geral, a Antologia Poética Momento Lítero Cultural. Até o momento, já foram 387(!) entrevistados. Tive a honra e o privilégio de conceder uma entrevista ao amigo Selmo, entrevista esta que republico abaixo.
Sammis Reachers é poeta e antologista. Tem 33 anos (Niterói, 09/05/1978) e reside em São Gonçalo, RJ.
Autor conhecido no meio alternativo brasileiro, começou a publicar na adolescência, em jornais culturais, fanzines e alternativos, quando editava o fanzine Cardio-Poesia. Possui poemas publicados em antologias e sites literários. Autor de três livros e organizador de seis antologias. Ganhou o Prêmio Capital Nacional (categoria Poeta), ofertado pelo jornal O Capital, de Ilma Fontes, no ano de 2005. No mesmo ano, a vida de Sammis sofreu uma reviravolta: o antes ateu e anarquista se converteu ao Evangelho. Hoje Sammis publica e promove a poesia cristã/evangélica, através de blogs, redes sociais e livros.
ENTREVISTA
SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever?
Sou o que se poderia chamar de um editor, pois já organizei diversas antologias, e alguns livros, dentre os quais dois pequenos e-books com a poesia do grande poeta lusitano J.T.Parreira. Editor também pelos blogs, como o Poesia Evangélica, que existe desde 2006 e é dedicado a divulgar a produção dos autores evangélicos de ontem e de hoje. Nestes anos, já são mais de 280 autores ali publicados. Edito ainda os blogs Liricoletivo (um blog colaborativo de poetas evangélicos) e Mar Ocidental, este mais ‘secular’, onde divulgo alta poesia, traduções, ensaios, crítica, resenhas, etc. Escrevo no O Poema Sem Fim, que é um blog/projeto de obra em aberto, também um tanto experimental em sua proposta. Além dos blogs literários que edito, mantenho/colaboro em diversos outros blogs com o intuito de compartilhar boas informações, principalmente entre os cristãos evangélicos. Gosto também de fotografar, embora seja apenas um aprendiz de amador.
SELMO VASCONCELLOS – Como surgiu seu interesse literário?
Meu pai sempre teve uma certa quantidade de livros. Estavam-me sempre à mão, e em criança eu folheava aqueles volumes, aqueles títulos que eu não entendia, e me indagava sobre o que todos aqueles livros falavam. Aquilo era um ruído constante para minha paz... Com o tempo, passei a devorar as enciclopédias da casa, e a fome de saber detonou(-me). Em pouco tempo queria ler aqueles homens de quem falavam as enciclopédias de meu pai, queria ler as milhares de páginas de Proust, queria ser Alexander Von Humboldt... Queria descobrir coisas como Volta e queria ser um tal de Byron. Tudo era pretexto para a criança ler: querendo ser um arqueólogo como Indiana Jones, lia tudo de história que encontrava; querendo ser um cientista como os dos desenhos animados, lia tudo de ciência. O que não sabia, perguntava a meu pai. Até que chegou o dia em que ele começou a responder: ‘isso, filho, eu não sei’. E aí, após o primeiro susto (pois poderia existir algo que meu pai não soubesse?), eu vi que a biblioteca da casa ficara pequena, e eu precisaria de mais e mais livros, mais e mais informação para saber tudo que queria, para conhecer todos aqueles e aquilo de que as enciclopédias traçavam o breve retrato. E muita leitura acaba puxando a escrita...
Já escrevia na infância pequenos contos, ficções científicas.
Poesia comecei a escrever na adolescência, numa fase de revolta, depressão e mesmo algum niilismo, influenciado pelo veneno de Nietzsche e companhia, e audições de rock’n roll. Passei por grandes transformações, de ateu para cristão! Cheguei a pensar em parar de escrever. Pois isso tudo representou uma grande batalha mental, existencial, difícil até de verbalizar. Havia aprendido a desprezar o cristianismo, por não conhecê-lo em sua essência, em seu viés bíblico, verdadeiro. Minha busca por conhecimento era nada mais nada menos que a simples busca por Sentido. Mas um dia encontrei no Cristo que havia renegado o Sentido que buscava desesperadamente em livros e livros, em religiões de todo o globo, em filósofos de toda a monta... Na época não conhecia as maravilhosas apresentações do cristianismo feitas por autores como C.S.Lewis (de As Crônicas de Nárnia) e o recentemente falecido John Stott, além da apologia de um William Lane Craig (que já botou no bolso, ou pra correr, ninguém menos que Richard Dawkins), por exemplo (autores que recomendo a seus leitores). Mas enfim, continuei e continuo a escrever, e como dito acima, acabei me tornando um promotor da literatura, ofício que aprendi ainda jovem com pessoas como você, Eduardo Waack, Ilma Fontes, Rosemary Lopes Pereira, Touché...
SELMO VASCONCELLOS – Quantos e quais os seus livros publicados ?
De minha autoria já publiquei (sempre em formato de e-book) A Blindagem Azul e Uma Abertura Na Noite (poesia). Selmo, depois de muitos anos estou retomando a velha veia experimental com o lançamento de meu mais novo livro, CONTÉM: ARMAS PESADAS - Ode à Alteridade. Mas de que se trata, com título e subtítulo já tão (ou tão pouco) sutis? Esta é uma história de ação? Sim, um talvez épico sujo. Pois há muito de triller cinematográfico aqui, nesta ficção poética, belicosa história de amor, de perdições e redenções. O discurso poético praticado é experimental: fragmentário, interativo. É um livro para ser lido online, um exercício amplo de hipertexto ou hiperliteratura, um livro que entre as interatividades propostas chega a possuir capítulos secretos (como fases bônus num jogo de videogame). Mas quanto ao teor e o conteúdo total dos experimentalismos, você precisará ler o texto para descobrir. E há muito a ser descoberto. Vocês podem ler mais sobre o livro, e o livro em si, clicando AQUI. Tenho em gestação ainda um volume reunindo inéditos e poemas esparsos publicados na internet, este para impressão, aguardando finalização na gaveta.
Organizei também diversas antologias: Antologia de Poesia Cristã em Língua Portuguesa (mais de 80 autores de Portugal, Brasil e África, de Camões até aqui); 3 Irmãos Antologia (com poemas de Joanyr de Oliveira, Gióia Júnior e J.T.Parreira); ÁGUAS VIVAS 1 e 2 (antologia de poetas evangélicos contemporâneos); Antologia de Poesia Missionária; e ainda SABEDORIA: Breve Manual do Usuário(uma antologia de frases e citações). Todos os livros citados estão disponíveis para download gratuito (basta clicar sobre os títulos). Disponibilizo tudo pois acredito na democratização maciça do Conhecimento, pois amei o conhecimento um dia, e sei bem o que é querer e não ter condições de acesso ao ser amado. Tudo o que escrevo, todo o meu trabalho está aí, gratuito. Graças a Deus por isso. Baixem, leiam, compartilhem!
SELMO VASCONCELLOS – Qual (is) o(s) impacto(s) que propicia(m) atmosfera(s) capaz(es) de produzir poesias ?
Escrevi em certo trecho de meu blog-poema O Poema Sem Fim, que ‘a Dor é o evento fundacional de toda a Poesia. As flores vieram depois’. E assim é. Portanto, escrevo não apenas, mas melhor, quando dói. Mas quanto ao tempo, a todo momento pode me sobrevir um verso, uma ideia: ando sempre com minha pequena caderneta, pois já perdi muita coisa no turbilhão mental, sem ter como registrar.
SELMO VASCONCELLOS – Quais os escritores que você admira ?
Admiro dezenas de poetas grandes e pequenos, não caberia citar tantos aqui. Gosto muito da poesia épica. Admiro a Literatura, como ente maior, como hipercriação coletiva humana. Filhote de enciclopédias, leio de tudo, e em tudo há algo que se pode salvar. Ou nos perder...
De todos os escritores, aprecio sobremaneira Jorge Luis Borges, pelo sonho, pelo amálgama literalmente alquímico que ele alcançou, de concisão, precisão, ilusão, pelos temas fantásticos, pela vertente de erudição que ele trilhou (transitando das Highlands escocesas à Pérsia, da Islândia ao Industão...).
SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas?
A mesma mensagem que, imagino, a grande maioria de seus entrevistados deu, o conselho inescapável: leia, leia, leia. A internet revolucionou a cultura, ao levar praticamente toda a cultura humana, de um só golpe, a todo lugar. Acabei de ler a Divina Comédia somente pelo celular, nos momentos vagos no trabalho, nas ruas. E vou retomar O Paraíso Perdido, de Milton. Isso é apenas um exemplo. Se leio um texto de um erudito como Umberto Eco, posso consultar a todo momento a Wikipédia para saber quem são os nomes citados, posso ver em tempo real cada pintura, cada obra de arte citada, apenas com uma busca no Google. Há vinte anos isso era impensável. Isso é uma revolução assustadora, e muitos estão tão anestesiados por ela que nem a percebem mais. Posso avançar dez anos em menos de um. A faca e queijo estão 24 horas por dia em minhas mãos.
Leia os mestres, os mestres da poesia e também da prosa. Leia os clássicos. Leia os revolucionários, os experimentais. A Poesia que não se renova engorda e soçobra no lago estagnado das Letras. Não seja você um cadáver no fundo do lago. Saiba de filosofia, pois sem ideias e conceitos, a Poesia está fadada a falar de flores e de amores baratos. Consuma e seja consumido pelas artes plásticas; assista a bom cinema, a ‘filmes cabeça’, por mais insuportáveis que lhe pareçam no início. A poesia explodirá deles, diante de seus olhos, a qualquer inesperado momento.
POEMAS
Poietiké
Se a poesia é faca e é forca
a poesia também é mortalha
é a plúmbea bala que estraçalha
o coração sol-crispado de Lorca
é a flor que ofende e enfurece o canalha...
Ela incorporou o feio ao discurso,
a poesia é Lírica e também é Porca
linda deusa que hoje admite a falha
É algo inútil, é uma Vida, é um monte de tralha
é uma dose de palavras que na goela do papel
o poeta emborca
é banco de areia onde - cansado do oceano -
um desesperado encalha.
Carta aos Derrotados
Aos derrotados de todas as idades, tempos e lugares:
Jesus já venceu por nós
Aos que escrevem poemas de amor
na língua morta
de um país que já não existe:
Continuemos Poesia contra os muros,
Jesus já venceu por nós
Aos mutilados e deixados pra morrer
em Waterloo e Stalingrado,
Roraima e São Paulo, na próxima esquina,
nos porões das (in)direitas ditaduras
ou nas sibérias comunistas,
no miolo efervescente da multidão
ou nos últimos últimos últimos bancos
das Igrejas:
Olhemos para o alto,
Jesus já venceu por nós
Aos apunhalados enquanto dormiam
por um dos cem milhões
de Judas que Satanás
comissionou e infiltrou
nos mais improváveis meios, famílias e lugares:
Perdoemos,
Jesus já venceu por nós
Aos que sempre ou apenas
numa única hora errada
(apenas)
deram as costas:
Ele é o nosso Grande Perdão
pois Filho do único Onibenevolente;
Jesus já venceu por nós
Aos que nas malfadadas todas
as tantas e tantas e tantas vezes
roubaram e estupraram,
mentiram e abusaram,
traíram e assassinaram;
àqueles e àquelas prostituídos e travestidos,
aos viciados em substâncias, jogos ou pessoas,
aos cães de todas as estirpes,
aos extirpados, a todo aquele
que habita e palmeia
o fundo frio do poço:
Arrependamo-nos, arrependamo-nos, arrependamo-nos
e creiamos:
Em Cristo Jesus somos mais que vencedores.
Águia D'Aurora
A fumaça que sobe de minha choupana incendiada
Tece uma cicatriz na aurora
Me perdoe, mas incendeio baús de passados e amarras
Para voar livre para Ti, Amanhecer
A criança em mim (meu lastro e terna antítese)
apertou o Botão de Alarme
Da minha vida
E esse barulho, como um ranger de trilhos
É meu coração que explode
Meu tempo finda e
Eu aposto
todas as minhas fichas,
Todos os meus ossos
Em Ti
Escapei ainda ontem
Da vila de Maquiavel-dos-Mortos:
- Oh Cristo, eu vim
Em busca de tua Engenharia de Revolução
Diploma-me
Mata-me
Ressuscita-me
Ressuscita-me
Ressuscita-me
Uma Rosa para Kierkegaard
Eu trago uma rosa para Kierkegaard
Kierkegaard que não viu Hiroshima
Que, vista,
Explodiria com ela
E deixaria um apócrifo
Contra a América cristã
Eu trago uma rosa em nome de Cristo e
Quero encontrar-te
Senhor Soren
Quero nomear meu filho assim, Soren
Teu semblante triste eu trago do berço,
Quero teu ímpeto libertário
Para denunciar nossas incongruências
Nossos nadas (trans)feitos doutrina,
Adaptação e contentamento
Eu quero teus saltos
Pois tenho asas e um teto
Que me prende de usá-las
(e um mundo a alcançar para Cristo)
Ah, Soren, com o perdão da truculência
Quero dar uma banda
No coro dos contentes
E deitar todos de pernas
Para o ar
-Quem sabe, de um
Outro ângulo,
Finalmente não enxergam
Os não alcançados?
Trago uma rosa para ti, para mim
- Para a multidão de nós
e laços -
Oxalá a realize
Paz Verde
Criança amiga do sol,
sozinha no mato,
feita soldado do verde
sob as insígnias dos girassóis...
Corre, vigia, ri,
exulta
(seu corpo é
nau anil alada
por 7.000 asas)
nos campos criados por Cristo.
Sua avó lhe instruiu em todo o Evangelho
e sua imaginação hoje voa, só porque o pastor lhe disse:
"O melhor de Deus ainda está por vir."
Seu sorriso e inocência são uma afronta,
eles bradam ao mundo e seu Satã,
num silêncio de supereloquências:
"Consumam vocês suas ba(le)las e logros.
EU NÃO ESTOU SOB O JUGO DO SEU JOGO."
Corre, criança verde de sol.
Pedagogia
Atente e veja:
um fim
sempre tem lado avesso.
Ou seja:
um fim
nunca deixa de ser um começo.
Materializando
Um tropeço:
o que pro teu pé
é impedimento
pro resto da carcaça
é arremesso