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domingo, março 23, 2014

Dois poemas de Rui Miguel Duarte


Espinho

“… um espinho, um enviado de Satanás para me atormentar…”
2 aos Coríntios 12:7

cravado um espinho me foi
na língua uma ponta cuja ponta
é o veneno por dentro do paladar
o hálito do anjo da negritude
uma textura acre
que reúne contra mim
num só golpe todos os golpes
e açoites do mundo

cravado na língua e revolvido
na carne como o punhal
no ventre do inimigo
que só nessa hora
se aprende a conhecer
de tão perto que os olhos
de uns nos do outro se vêem

pensava que com língua
amortalhada seria impossível dizer
os poemas da minha vida
que são a incessante forma
de o coração dentro dos escombros
do peito saber ser generoso

mas subitamente
elevado à morada mais longínqua
do céu sem corpo talvez sem sonho
aprendi que nenhum espinho trava
a língua antes mais a adestra
na cadência da palavra proclamada
na disciplina da graça

Conclusão


É tempo de concluir; já tudo foi dito.
Eclesiastes 12.4

De tudo isto a conclusão é: o sol brilha
e não deixa vivalma isenta de meio-dia
a noite consome-nos quando faz assobiar os gonzos
por trás de nós, por trás da memória

a areia devora-nos o rosto, é uma mó
que de tanto moer grão seco quebrou

o coração dissolve-se no vento
sem saber o que o leva às alturas
sem saber se há alturas ou apenas vertigem

de tudo isto, dos velhos que são fortes
curvados, do deserto em que não entrámos
que perdemos na ilusão de ser mar mas que entra
por nós dentro, e nos traga as mãos
ao tanto escorrer

de tudo isto a conclusão
é afinal irrefragável:
teme ao Senhor ama os preceitos dum Pai
a eternidade que são
todas as horas da tua vida de homem,
esta é a tua condição, esta é a tua conclusão



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