Léia e Raquel, tela do pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti
Eu sou Léia,
a pretendida, não cortejada,
não amada como minha irmã.
Assim pensava
até o dia em que o Senhor meu pranto contemplou,
minhas lágrimas no silêncio conheceu,
um filho me deu.
Em relação ao amor, nada aconteceu
que pudesse ser notado na rotina
de minha vida.
Mas aqui dentro do coração, se fez a luz
e o que então me parecia cruz,
transformou-se num singular jogo de amor,
como um segredo que me faz sorrir
e cantar baixinho, quase num murmúrio,
mas tão doce que se algum ouvido estranho o escutar,
pensará:
lá está Léia, a mal-amada,
embalando o filho, com o seu eterno canto de ninar.
Porque, de repente, Deus-Que-Vê
dá-me um novo ponto de vista
uma nova dimensão das circunstancias, da situação,
do meu próprio destino
por que hei de andar chorando, com medo do que
possa acontecer?
com medo de ser comparada e perder,
cheia de ciúme e frustração?
Por que não aproveitar os momentos
em que comigo está o pai de meus filhos?
Este homem tão cheio de fraquezas
que vai ser transformado num pai de multidões?
Nesse grande destino que lhe está prometido,
sou parceira, principal, mãe de seus filhos,
que lhe darão netos, bisnetos,
mil gerações, que atravessarão a História,
com a mais linda história de amor de Deus.
Este Deus que hoje me visita, me ilumina,
renova meu entendimento,
transformando todo ressentimento num hino de amor,
não de conformação, mas de aceitação com alegria
do quinhão que a vida reservou pra mim.
Quando Jacó chegar, talvez nem possa notar,
mas de meus olhos sem brilho,
uma nova luz há de jorrar.
Luz que vem aqui de dentro, como uma fonte
de amor e gratidão,
pelo meu quinhão,
pelo meu quinhão:
não tão amada, mas a primeira,
não procurada, mas a verdadeira,
porque o Senhor, que vê, e “tem misericórdia
de quem quer ter misericórdia”,
se apiedou de mim, alegrou minha alma,
me faz cantar assim.
Dentro da limitação que me é imposta,
serei livre e espontânea no meu amor.
Não procurei em outro lugar consolo
não dividirei com outros o meu segredo.
Pensem de mim o que quiserem, falem o que lhes aprouver,
sintam até pena de mim:
não sabem que eu sou feliz, muito feliz.
Engrandecido seja o nome do Senhor,
que coloca em meu coração tal espécie de amor,
que se externa em mansidão, bondade, brandura,
simpatia, compreensão:
- Olha para mim, Jacó,
só há amor dentro de mim e uma eterna gratidão.
Tudo mais foi esquecido:
és meu marido, deste-me filhos,
sou mãe em Israel.
Um dia, os que de nós procederam hão de herdar
a terra prometida que mana leite e mel.
E nisso há um doce envolvimento,
um companheirismo que ninguém pode desfazer,
uma cumplicidade santa, que me encanta e me faz cantar.
E me faz livre para deixar livre o amor sempre escondido,
com medo de ser rejeitada e me machucar.
Mas em mim, agora, há o Espírito de Deus,
e “onde há o Espírito, há liberdade”.
Coloco nas mãos de Deus o meu agora.
Passa por Suas mãos o meu amor
e Ele o santifica, o faz lindo.
Me faz linda. Que o mesmo aconteça diante de ti.
Foi-se o temor. Aleluia!
Viverei intensamente cada instante de proximidade.
Não tenho mais medo de ser envolvida, de me envolver.
Nas mãos do Senhor está o meu destino, minha vida.
Coube-me este quinhão:
embalar teus filhos, cuidar deles,
são minha riqueza, minha herança, minha companhia.
Se não fosse por ti não poderia,
escrever essa canção, sentir esta alegria.
Não tenhas remorso, não sintas medo, não desvies o olhar.
Sou feliz. Sou agradecida.
Participo da vida, como vencedora.
Deus atentou para mim. Abriu-se o entendimento,
mostrou-me o quanto sou abençoada:
nunca mais deixarei que me julguem mal-amada.
Cessou o pranto. Sou rica, sou feliz e canto,
enquanto espero e descanso no Senhor.
Este é o meu hoje, o meu agora.
O que virá depois, hora após hora,
está nas mãos de Deus, o Senhor que cuida de mim.
Cuida de nós.
Amém!