sábado, outubro 21, 2023

Quatro poemas de Renato Souza de Melo

 


Gadareno

 

um sabor esquecido, liberdade

luz sem sombras no lugar

dimensão que meus olhos há muito

haviam perdido

ouvindo tua voz me chamar

agitou-se revoltosa a legião

que me habitava

 

quando aos meus ouvidos o céu

cantou os seus ritmos

minha loucura subitamente se calou

pela manhã anunciei sobre os montes

meu êxtase sem nenhuma culpa

numa voz inofensiva

triunfante declarei

a humilhação de belzebu

 

sinto como nunca, transições no real

num outono trêmulo, ternuras anunciam

meu renascer

pétalas quentes, perfumes no tempo

nunca mais perante o mar sofrerei possessões

novas e puras sensações me habitam

pelos cantos de mim crescem em abundância

fragrâncias que jamais perverterei

eu juro! prometo nunca me desviar

pedras não clamarão por mim, proclamarei

multiplicando assim esta chama

num halo de gratidão

pelas vilas e vales, por cidades e sertões

falarei das coisas que me fez e de como teve

compaixão de mim — recebi um perdão

que jamais eu ousaria implorar

 

“tragada foi a morte pela vitória”

não habito mais os túmulos, não me chamam

mais de louco

regressei, meus filhos me reconhecem

a esposa me abraça e me beija

novamente sou eu mesmo

novamente

consigo amar!



Oração de um fragmentado

 

Senhor, por favor

me devolva pra mim

Me coloque de volta em meu lugar

Quero voltar pra casa

Eu tenho um lar

Há partes de mim por toda parte

Estou em fragmentos

E não sei me recompor

Preciso de Ti, Senhor

Faz parte de mim essa dependência

A autossuficiência não me cai bem

E além do mais, quem além de Ti

Me encontrará no lugar

Onde em pedaços me perdi?

 

Senhor, por favor

Me devolva pra mim

Meu anseio é profundo

E meu mundo deságua

Em um pranto sem fim

Numa água sem gosto

Sem cheiro e sem sal

O dia inteiro me sinto tão mal

E nada eu sinto, de tanto vazio

Que habita em silêncio

Por dentro e por fora

E só agora entendo o porquê

Que viver ao seu lado

Me ajuda a querer

Viver por inteiro aquilo que sou

Sem medo do tempo

Sem medo do fim

Por favor, meu Senhor

Me devolva pra mim

 


O poeta e o vale de ossos secos

 

Poetiza

Sobre o vale de ossos secos

Poetiza

 

Fala o que Ele te mandou

Fala em tom de profecia

Fala com autoridade

Das verdades recebidas

Através dessa visão

Que tiveste neste vale

Onde existe apenas morte

Onde nada nascerá

Onde a esperança cessa

Se ninguém poetizar

 

Poetiza

Com a voz de amor do Céu

Poetiza

 

Sobre os ossos esquecidos

Que tão secos já estão

Mas que podem se tornar

Gente viva novamente

Vida que do Céu virá

Se você obedecendo

Ao mandado lá do Alto

Hoje aqui poetizar

Poetiza filho, agora

Pois mais tempo já não há

Poetiza ao mundo todo

E a vida voltará



APOCALIPSE

 

quando pequeno

me diziam que final de tarde

com céu avermelhado

do jeito que está hoje

era sinal do apocalipse

                  chegando

daí eu saía correndo

me ajoelhava ao pé da cama

e pedia perdão por todos nós

 

        até hoje isso funciona!


Confira o perfil do autor no Instagram: @renatosouzademelo


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