segunda-feira, março 29, 2010

A GRATIDÃO DE LÁZARO - Mário Barreto França

*

(“Não foram dez os limpos? E onde
Estão os nove?” Lucas 17:17)

- “O Mestre vem aí!” – A nova alviçareira
Correu por toda parte...
E, do campo à lareira,
O assunto predileto, a palestra forçada
Era a vinda do Mestre, há tanto desejada...
O cego, o mudo, o coxo, o surdo, o aleijado,
O velho, o infeliz, o enfermo, o desgraçado,
Todos, sob o fulgor da fé e da confiança,
Sentiam renascer dentro d’alma a esperança
Na cura radical dos seus males carnais,
E na compensação dos dons materiais,
Para o prazer da vida; um ou outro, porém,
Desejava outro dom, almejava outro bem:
Qual seja o de alcançar plena satisfação
Aos anseios de fé e amor do coração...

Banidos do convívio alegre das cidades,
Forçados a clamar suas enfermidades,
Ao brado horripilante e tétrico de – imundo! –
Dez leprosos ali, renegados do mundo,
Já sentiam também o mesmo ardente anseio
De ver Jesus.
Talvez fosse esse o único meio
De conseguir do Mestre a divina atitude
De lhes impor as mãos para o bem da saúde...

Quando Cristo chegou às portas da cidade,
Foram ao seu encontro, ardendo em ansiedade,
Os lázaros que, O vendo, estacaram distantes,
Deslumbrados, febris, aflitos, ofegantes,
E gritaram de longe, erguendo em pranto a voz:
- Ó Rabi! Ó Jesus! Tem piedade de nós!

Para que dizer mais? Tudo o Mestre sabia:
Desde o desprezo atroz à lepra que os cobria;
Desde os ódios sem causa à revolta incontida
Que os faziam viver amaldiçoando a vida;
Desde a suprema dor de se verem banidos
Do convívio do lar, dos entes mais queridos,
Ao trágico pavor de se irem transformando
Em podridão humana, em trapo miserando...

Para que dizer mais? Jesus já vira tudo:
A profunda tristeza, o desespero mudo,
E, mais que a podridão das chagas asquerosas,
Via as feridas d’alma abertas, dolorosas:
- Chagas de maldição, feridas de pecados
Que os faziam assim mais vis e desgraçados... –

Almas cheias de dor, olhos cheios de pranto,
Clamaram outra vez, em dolorosa voz:
- “Ó bendito Senhor, ó Mestre puro e santo,
Tem piedade de nós! Tem piedade de nós!” –

Jesus se comoveu, amando-os na desgraça,
Pois neles via, clara, a alma de sua raça
Incrédula, infeliz, repleta de vaidade,
Fugindo do dever, descrendo da verdade;
Por isso, lhes mandou, pra ficarem curados
Das chagas corporais, da lepra dos pecados,
Que se fossem mostrar ao sacerdote...
E quando
Foram... ficaram sãos... e alegres, e exultando
De gozo singular e de satisfação,
Sentiram dentro d’alma a estranha sensação
De um condenado à morte o qual, na hora extrema,
Ouve a proclamação da clemência suprema.

E correram a dar a todos a faustosa
Notícia singular da cura milagrosa,
Contando como Cristo os havia encontrado
E o modo por que tinha o milagre operado...

Mas na imensa expansão da alegria incontida,
Se esqueceram de dar a prova merecida
Da eterna gratidão àquele que os curara
Na profissão de fé no Mestre que os salvara...
Todos, não! Porque um, em submissa atitude,
Veio-lhe agradecer a bênção da saúde,
Prostrando-se a chorar, em grata adoração
Ao grande operador de sua salvação;
Dizendo-lhe, Senhor, graças te dou que a mim
Revelaste o poder do teu amor sem fim,
Dando-me a tua paz e dando-me a saúde
Na manifestação sublime da virtude!
Perdoa-me que sou um pobre pecador!
Bendito seja sempre o teu nome, Senhor!

E o único que voltou, num gesto grato e humano,
Era um pobre estrangeiro, era um samaritano.

Mas Jesus, que não faz diferença de raças,
Perguntou-lhe: - “Só tu voltaste pra dar graças?
Não eram dez ao todo os que foram curados?
E onde os outros estão? De certo, em seus cuidados
Puramente carnais, simplesmente da vida!
E esqueceram depressa a bênção recebida.” –

E ao contemplar ali, o único dos dez
Ex-leprosos, prostrado em súplica a seus pés,
Cheio de compaixão, sorrindo lhe falou:
- “Levanta! Vai em paz! Tua fé te salvou!” –

E quando ele se ergueu do chão, justificado,
E olhou em torno a si, alegre, deslumbrado,
Descortinou, feliz, um mundo diferente,
Não mais como degredo ou cheio de ódio ardente,
Mas repleto de amor, de esperança e de luz
No Evangelho do Bem, pregado por Jesus.

Mário Barreto França

Do livro O Louvor dos Humildes (1953)

Um comentário:

franciscafesempre disse...

paz do senhor amigo, eu gostei do seu blog, uma visita rapita, muito bom parabens, e deicho meu blog,
http://franciscafesempre.blogspot.com/

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