quinta-feira, abril 03, 2014

Dois poemas de J.T.Parreira


O Encenador

No princípio ouviu o seu próprio silêncio.
Não havia terra nem estrelas onde pousar a sua luz.
A sala estava vazia, não havia Rosa dos Ventos
para espalhar o seu olhar, as suas mãos
de fazedor eram a voz

E disse “Haja luz”, e tudo
começou a ser jovem, as palavras, as aves e os rios,
a juventude das fontes trazia as águas novas,
a claridade dos sons,
das ervas e das árvores,
a ascensão das flores do chão.

Sentado no palco na sua eterna sarça
olhava a multiplicação do respirar dos homens.

Agora o tempo atravessava a noite
e o dia, que vinha do sol para aquecer os rostos.
E viu Deus tudo e disse que era bom.


[ALGUÉM LÁ DE CIMA GOSTA DE MIM]
Alguém lá de cima gosta de mim
os seus olhos
ultrapassam-me e ficam

à minha espera
numa esquina qualquer
do calafrio

os seus ouvidos
velam meus lábios
todas as manhãs

deixa-me voltar
a pensar no dia
a repetir as coisas, sempre

e a tornar a cair
no volumoso veludo
de outra noite

Aqui, sozinho
Alguém lá de cima gosta de mim
Alguém

lá de cima gasta em mim
o seu amor


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