O Encenador
No princípio ouviu o seu próprio silêncio.
Não havia terra nem estrelas onde pousar a sua luz.
A sala estava vazia, não havia Rosa dos Ventos
para espalhar o seu olhar, as suas mãos
de fazedor eram a voz
E disse “Haja luz”, e tudo
começou a ser jovem, as palavras, as aves e os rios,
a juventude das fontes trazia as águas novas,
a claridade dos sons,
das ervas e das árvores,
a ascensão das flores do chão.
Sentado no palco na sua eterna sarça
olhava a multiplicação do respirar dos homens.
Agora o tempo atravessava a noite
e o dia, que vinha do sol para aquecer os rostos.
E viu Deus tudo e disse que era bom.
[ALGUÉM LÁ DE CIMA GOSTA DE MIM]
Alguém lá de cima gosta de mim
os seus olhos
ultrapassam-me e ficam
à minha espera
numa esquina qualquer
do calafrio
os seus ouvidos
velam meus lábios
todas as manhãs
deixa-me voltar
a pensar no dia
a repetir as coisas, sempre
e a tornar a cair
no volumoso veludo
de outra noite
Aqui, sozinho
Alguém lá de cima gosta de mim
Alguém
lá de cima gasta em mim
o seu amor
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