segunda-feira, setembro 29, 2014

Dois poemas de Rui Miguel Duarte


A FIGUEIRA

“Então Jesus exclamou: «Nunca mais ninguém coma do teu fruto!»”
Evangelho segundo Marcos 11:14

Darás fruto algum dia, ó figueira
gotas de água do fundo da tua raiz
alguma vez nascerá em ti o Verão
haverá um rasto de amor para o meu ardor?
em ti mais não escorre
do que a secura que o livor pôs
na tua mudez tens a morte por rebento
não há sol perante ti, árvore de prata,
mas um apetite de uma palavra uma só
que salve a madrugada da fome da terra
não há nada pronto mas uma vontade
de mãos cheias de sabores vivos
arrancados à conjura do vento e das sombras
porque persiste em ti o Inverno?


PORCO NOJENTO

“Foi pedir trabalho a um homem da região que o mandou para os seus campos guardar porcos.”
Evangelho segundo Lucas 15:15
é nojento esse porco até à
milésima casa e à milésima
geração de dias
faltam-lhe as subtilezas do alfabeto
declinado às cordas do amor, o velho
abraço à sombra escorrendo
seiva fosforescente da barba
sobram-lhe o nojo o cuspo
o beijo viscoso à procura de uma palpitação
assim nasce e cresce
o porco o nojo o cuspo a que se reduz o corpo
que a alma foi perdida lá atrás
num descaminho de má vida
disseram-lhe que podia beber o pus
pois as bolotas são dos porcos nojentos
e o pão é nosso de cada dia dos ratos
a alma foi perdida lá atrás: pergunta onde?
lá atrás há porcos que regressam ao velho
abraço à sombra que escorre
o sol

2 comentários:

Touché disse...

Amigo Sammis :
é um aprendizado o teu trabalho. Semeadura inspiradora. Dizem que a arte tem um quê de divino e eu concordo. Sucesso,paz e poesia !!

Sammis Reachers disse...

Meu nobre amigo Touché,

sempre boa a sua presença, e nunca me esqueço de que aprendi a semear com você e nossos demais amigos do circuito alternativo.

Paz e poesia, meu querido!

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