Noêmia Campelo
A Heroína de Craonópolis
Mário Barreto França
(Aos pioneiros das
Missões Nacionais e à poetisa Stela Câmara Dubois, em cuja biografia de NoemeCampêlo foram inspirados estes versos.)
I
Na
taba dos Craôs. Um grande vozerio
Faz
a tribo acordar no altivo desafio
Contra
o branco invasor, que tanto os provocava
E
em suas possessões, sem ordem, acampava...
Por
que essa gente má não os deixa tranquilos
E
vive, sem motivo algum, a persegui-los?
Pois
que seja maldita a imposição cristã
Que
tenta os afastar do grande deus Tupã!...
II
Sentindo
o impulso de vingar as dores
Que
suportaram seus antepassados
Dos
brancos maus e vis perseguidores,
O
chefe dos Craôs, em altos brados,
Apertando
nas mãos o seu tacape,
Dirige-se
aos guerreiros inflamados:
–
“Que nenhum branco dessa vez escape
À
justiça das nossas próprias mãos!
Que
a pedra da vingança, inda hoje, tape
As
covas rasas desses maus cristãos!” –
III
Mas
eis que a voz dos espias
Alegres
notícias nos traz:
“Eles
falam nossa língua,
Esses
brancos são de paz!”
E
o velho cacique espelha
No
rosto a felicidade
E
diz: – “Eu irei falar-lhes
Na
voz da fraternidade.”
Seguem,
com ele, os guerreiros,
Com
ele, também, irá
A
sua filha querida,
Sua
esbelta Penuá.
Na
clareira ensolarada,
Sobre
um tronco de palmeira,
Sentada
estava uma jovem
De
castanha cabeleira...
Tinha
nas mãos uma Bíblia
E
nos céus fitava o olhar,
Na
mais sincera das preces:
–
O sertão cristianizar.
Essa
jovem dedicada
Era
Noeme Campêlo
Que,
pelo Brasil caboclo,
Trabalhava
com desvelo.
E,
ao contemplar a indiazinha
Com
seu bonito cocar,
Na
simpatia dos santos
Pôs-se
com ela a falar:
–
“Filha de bravos guerreiros
Por
amor de vossa gente
Eu
vos trago, de bem longe,
Este
livro de presente.
Ó
aceitai Jesus Cristo
Que
por vós na cruz morreu...”
Mas...
da mata veio um silvo,
E
a índia pra lá correu.
IV
Quando
Noeme ouviu Zacarias Campêlo
Certo
dia fazer um comovente apelo
Em
favor do sertão, dos índios brasileiros,
Escravizados
ainda aos instintos guerreiros
E
às vãs superstições que os tornavam ariscos,
E
ouvindo-o descrever os perigos e os riscos,
Por
que passa, na selva, o intrépido cristão
Que
lhes queira levar a civilização,
Ela
sentiu, nessa hora, a chamada divina
À
causa das missões... Era inda tão menina!
Porém,
na mais sincera e grata adoração,
A
Deus ofereceu seu jovem coração...
E,
naquele momento, as suas almas puras
Uniram-se
no amor de duas criaturas,
Cujo
único desejo e vontade febril
Era
pregar Jesus aos índios do Brasil.
Em
casa, ao confessar ao pai, o seu desejo,
Sua
resolução, seu decidido almejo
De
levar o evangelho aos índios, ele disse:
–
“Mas que temeridade, ó filha, que tolice!
Nas
cidades também se prega, ao moço e ao velho,
As
doutrinas de Cristo, e a graça do evangelho.
Fala,
então, ao teu noivo e mostra-lhe as vantagens
De
não ir ao sertão, nem pregar aos selvagens.”
Ela
fala, porém: – “Se ele não mais quisesse
Ir
aos índios, então, todo o meu interesse
Por
ele findaria... E assegura-lhe, em pranto:
–
“Sentirei vossa falta e da mamãe, no entanto,
Eu
seria infeliz, se rejeitasse, ó pai,
A
chamada de Deus!” –
E ele lhe disse: –
“Vai!
Se
Deus te consagrou a tão nobre missão,
Bendita
seja, enfim, tua resolução!” –
V
Bem
ao sul de Carolina,
Atrás
de verde colina,
Surge
a aldeia dos Craôs,
Circundada
de palmeiras,
De
copadas mangabeiras,
Entre
o abraço dos cipós...
Aquela
vida selvagem
Em
tão longínqua paragem
Vai,
agora, tumultuar;
É
que Noeme Campêlo,
No
mais humano desvelo,
O
evangelho vai pregar.
A
indolência, os maus costumes,
Lutas,
desleixos, queixumes
E
a falta de educação
Iriam
ser condenados,
Como
outros tantos pecados
Contra
o Rei da Criação.
E
a missão evangelista
Vai,
de conquista em conquista,
Restaurando
o índio incivil
À
fé do cristianismo,
À
consciência do civismo,
No
coração do Brasil.
E
o selvagem, que era triste,
Já
sabe que Deus existe,
Que
existe a Pátria também;
Já
lê na sua cartilha
Tudo
o que sabe e o que tem...
Mas
esta felicidade,
Por
uma fatalidade,
Vai,
agora, terminar,
Porque
Noeme, depressa,
A
Carolina regressa
Para
nunca mais voltar...
VI
Longe
da esposa amada e do lindo filhinho,
Zacarias
Campêlo enfrentava, sozinho,
A
inclemência do tempo e a quase indiferença
Com
que a tribo escutava a explicação da Crença,
Das
lições da cartilha e de como empregar
A
foice e a enxada, a fim de a terra cultivar.
Nisto,
chega um recado infausto e doloroso:
–
“Noeme passa mal!”
O coração do esposo
Palpita
de apreensões... Mas era necessário
Iniciar,
sem demora, o longo itinerário
De
volta a Carolina...
A condução faltava...
Iria
mesmo a pé... O corpo fraquejava...
Sem
dormir, sem comer, apenas se nutria
Das
preces que ao Senhor, aflito, dirigia:
–
“Dá-me forças, ó Deus, pra vencer a distância;
E
livra-me, Jesus, desta mágoa, desta ânsia! ...
Que
o peito me asfixia! E concede, Senhor,
Que
eu possa suportar esta tão grande dor! ...
Se
é de tua vontade, a saúde e a energia
Restaura-lhe,
Senhor, para a minha alegria!”...
Procurando
vencer a fadiga e o cansaço,
Ao
romper da manhã, ele, apressando o passo,
Descortinou
ao longe a cidade...
Doirando
O
casario, o sol vinha se levantando
No
festivo esplendor da sua luz radiosa,
Saudando,
em tudo, a vida alegre e majestosa...
Na
su’alma, porém, chorava o sofrimento
Na
dúvida cruel de um mau pressentimento...
Tinha
que percorrer ainda longa estrada;
Mas
a imagem da esposa, ingênua e delicada,
Sorrindo
na su’alma, as forças lhe animava.
De
tarde, chega em casa...
Um bom grupo rodeava
O
leito de Noeme... Ajoelha-se, chorando...
Toma-lhe
as frias mãos, beija-as, de quando em quando,
Dizendo-lhe:
– “Querida, eu tenho orado tanto,
Que
Deus há de estancar a fonte do meu pranto!
Em
breve estarás boa e viverás contente
Dentro
do nosso lar, junto da nossa gente...
E
os céus nos sorrirão! ...” –
Ela, porém, responde:
–
“Zacarias, eu sei que o teu amor esconde
Minha
sorte fatal! Contudo, eu sou feliz
Porque
Deus escutou as preces que lhe fiz
E
te trouxe a meu lado! Eu sei que vou morrer,
Mas
me sinto feliz... cumpri o meu dever! ...
Eu
vejo o céu se abrir numa festa de luz
Para
me receber, nos braços de Jesus!
Não
chores! Mas sê forte e continua assim,
Os
índios conquistando, em memória de mim...
Vós
todos que me ouvis – menino, moço ou velho –
Aceitai,
sem demora, a graça do evangelho!
Cantai,
cantai comigo, este hino inspirador
De
quem confia em Deus, pelo seu grande amor:
“Eu
avisto uma terra feliz,
Onde
irei para sempre morar
Há
mansões nesse lindo país
Que
Jesus foi ao céu preparar.
Vou
morar, vou morar
Nessa
terra celeste porvir!”
E
diz: – “Por que chorar as cousas desta terra,
Quando
o céu é tão bom e a salvação encerra?” –
E
num último esforço ao se extinguir a vida,
Falou:
– “Recebe, ó Pai, minha alma agradecida! ...”.
VII
Morta!
É morta a primeira e grande missionária,
Resoluta,
benquista, altiva, extraordinária,
Que,
deixando o conforto e as luzes da cidade
E
as várias diversões próprias da mocidade,
Resolveu
ir levar as celestes mensagens,
No
coração da Pátria, a todos os selvagens,
Pondo
acima de tudo o sonho juvenil
De
ver cristianizado o sertão do Brasil!
E
foi; e se fez mãe, e amiga, e conselheira:
–
A primeira mulher que, pela vez primeira,
Catequizando
a Cristo os índios do sertão,
Cumpriu
a mais gloriosa e esplêndida missão.
Morta!
É morta a primeira e grande missionária!
Porém
a sua vida excelsa, extraordinária,
Para
sempre ficou brilhando como a luz
Do
evangelho do Amor, da mensagem da Cruz!
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3 comentários:
"Ser poeta é ser mais alto", disse Florbela Espanca. Acho que a inspiração é um dom divino e é um privilégio poder fazer as pessoas refletirem sobre o trabalho de evangelizar; Parabéns pela escolho do poema. Abração, amigo..
Amo essa poesia.mensagem linda.
Maravilhoso
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