quarta-feira, outubro 16, 2019

Três poemas de Isaac Costa de Souza



Aborto do Aborto

O único aborto permitido
Deveria ser o aborto do aborto

A dor do parto
É menor do que a dor da morte

O parto convida à luz
O aborto conduz às trevas

O parto é uma dádiva divina
O aborto, um castigo demoníaco

O parto traz choro de alegria
O aborto derrama lágrimas de miséria

O parto constrói um doce lar
O aborto cava uma amarga sepultura

O parto é um caminho que leva à casa
O aborto é a trilha que empurra para o féretro

O parto produz comunidade
O aborto confina ao isolamemto

Parto e aborto
Derramam sangue humano em seus atos

Mas o parto é sentença de vida
O aborto é sentença de morte

A palavra de ordem é abortar o aborto
Ele elimina a vida desde os seus primórdios

Navegar é preciso
Viver também é preciso
Pois o aborto é a grande tragédia da curta vida
De um indefeso feto
Que um dia foi desafeto de alguém
Mesmo antes de ter tido a oportunidade
De se defender do erro ou do acerto
Que de fato, sendo feto
Nunca chegou a cometer


Alicerce de Vida

Você pode habilmente enganar-me
Mas não pode tirar-me a verdade
Ela não depende das desinformações
Imputadas por polifonias em meu dia-a-dia

Você pode armar-me ciladas
Mas não pode reter-me em armadilhas
Elas tornam-se frágeis tecidos de seda
Apenas para ornar a minha liberdade

Você pode alienar-me de todas as minhas posses
Mas não pode atirar-me no lixo podre da sociedade
A minha dignidade vem do ser que me criou
E não dos bens que tenho ou não tenho

Você pode destruir os meus argumentos
Mas não pode anular a minha fé
Ela é “certeza de coisas que se esperam
E a convicção de fatos que se não veem”

Você pode executar o meu corpo físico
Mas não pode aniquilar a minha alma
Mesmo o corpo morto ressuscita
Em um viver para sempre na imensidão da eternidade

Você pode ser um rei todo poderoso
Porém jamais será minha majestade
Sou da pasárgada mais sui generis que existe
Onde os súditos são servidos pelo seu supremo líder

Você pode possuir um poder inquestionável
Mas não vai me condenar à servidão voluntária
Embora ainda passível a confinamentos
Sou liberto para servir com prazer a alguém que é eterno


Aliança Correta

Certos tipos de pensamento, com seus tentáculos
Agarram braços, pernas, pescoço
Intestinos, coração e emoção – o corpo todo

Derrubam no chão os mais bravos lutadores
Que, imobilizados, perdem todo e qualquer combate

Os mais fracos desses pensamentos
São mais aguerridos do que o mais forte dos adversários

Têm a potência de um maremoto
Que com imedida brutalidade
Abala todo sangue no interior da malha de veias e artérias

Nessas aguerridas ofensivas
Barricadas, barreiras, trincheiras
Verdadeiras fortalezas são em vão erguidas
Qualquer vitória se inscreve inacessível às indefesas vítimas
A menos que vigorosa aliança seja celebrada
Com um supremo ser sagrado
Onisciente
Onipresente
E onipotente
Cujo monossilábico nome é Deus

Isaac Souza é missionário da Agência Presbiteriana de Missões Transculturais. Formado em Letras e com mestrado em Linguística, Isaac é autor do livro De Todas as Tribos, pela Ultimato, em 1996 (segunda edição: 2003). Organizou ainda, com Ronaldo Lidório, o livro Questão Indígena - Uma Luta Desigual, pela Ultimato, em 2008.

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