domingo, julho 24, 2011

Quatro poemas de J.T.Parreira



COMUNHÃO


Despertaste-me, porque querias
dizer-me qualquer coisa
qualquer coisa em Ti
é um pássaro que vem espreitar na lente
grande angular da minha lágrima
qualquer coisa em Ti é uma onda
que vem
limpar meus pés das areias
do deserto
É uma orquídea no outono
Despertaste-me porque querias
dizer-me qualquer coisa
Esperavas por mim, paciente
às portas do sonho.




POUCAS VEZES A FOME TERÁ TIDO


Poucas vezes a fome terá tido
tanta altivez
como nos caixotes do lixo, com a cabeça
triste, levantada, a procurar
poucas vezes o homem terá sido
tão ignorado
pelo homem como quando lança as mãos
como uma rede
para apanhar o seu quinhão de ar
Estar escondido atrás da claridade
das cortinas da janela
e ver essa altiva pobreza, poucas vezes
terei tido nos meus olhos
a beleza dolorida de ser homem.




O VIOLINISTA


Sobre a madeira do violino
aplaina a nossa alma
tira nódulos
de uma dor que vem
apertando o tempo.
No vento fricciona rosas
até ao invisível perfume
o timbre brilha por vezes no veludo
com o arco alisa
como um marceneiro o som
até que a peça seja um cruzamento
do silêncio com um cheiro.




A ORQUESTRA


Um gesto largo dos braços e os pássaros
se expandem e espalham-se com os olhos
do maestro cheios de música
o ar abre-se como o céu ao azul
Um gesto de ambas mãos
cria as suas próprias aves
até que a larga mão, que sustenta
o som, depois o apaga.

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