domingo, julho 07, 2013

A Dádiva de Maggie, poema de Mário Barreto França


A Dádiva de Maggie

Numa certa manhã festiva e ensolarada
De um cálido domingo, a alma angustiada
De um piedoso pastor se erguia aos céus, em prece
- prece cheia de fé — pedindo a Deus que desse
A cada coração gelado de seu povo
Uma melhor vontade - um sentimento novo -
Que o levasse a sentir pelas almas perdidas
Esse amor que convence e que transforma vidas,
Para testemunhar, pelas obras da fé,
Que Deus é o mesmo Deus de Abraão, de Jacó e José,
E é sempre o mesmo Pai, de braços sempre abertos,
Para acolher, perdoando, os corações despertos
Do letargo do mal, do horror da treva imensa,
Para a luta da vida e a sagração da crença.
E naquele momento em que esboçava, ansioso,
Para pregar na igreja, um sermão poderoso,
Sentia, no entanto, um medo sem motivo
De que ninguém lhe ouvisse o apelo decisivo
Para dar com amor, à sagrada missão,
Mais do que uma oferta — o próprio coração.

Muito perto dali, a Missão das Montanhas
Combatia o pecado e outras causas estranhas
Que faziam do mal daquela pobre gente
A própria encarnação da miséria inclemente.
E naquela manhã seria levantada
A oferta especial para a causa sagrada.

Havia em sua igreja um número elevado
De abastados casais. Nunca, porém, o estado
De penúria do povo havia-lhes movido
As entranhas do amor, por vê-lo convertido;
Nunca se lhes abriu em mínima piedade
A alma crente, ao notar tanta infelicidade...
Mas, naquela manhã — quem sabe? - iria achar
Deus, nos seus corações, em primeiro lugar?!

Quando o pastor subiu ao púlpito da igreja,
Todos se ergueram e ele orou confiante: Ó, seja,
Nosso Senhor e Pai, feita a Tua vontade
Na alma de quem Te adora em espírito e verdade!
Ensina-nos a amar! Ajuda-nos a crer
Que mais grato, Senhor, é dar que receber!

Sentaram-se, depois. E o piedoso pastor
Começou a pregar, cheio de fé e ardor:
- Lembrai-vos, meus irmãos, dos que vivem sem Cristo,
Dos que morrem sem fé!... Ah! Não vos comove isto?

Mas, enquanto o seu verbo em mensagem fulgia,
Toda a congregação continuava fria...
- Tão fria! - indiferente às desgraças alheias,
Pois, tendo posições e tendo as bolsas cheias
Eram pobres demais em fé e caridade...

Mesmo assim, apelou para a comunidade:
- Iremos levantar agora a nossa oferta!
Que tenha cada qual a sua mão aberta
Para dar ao Senhor e à causa da Missão
Mais do que seu dinheiro, o próprio coração.
A bandeja passava entre as filas de bancos;
Do filho ao pai, do moço ao de cabelos brancos,
Nenhum se decidia a dar o que podia.
E o servo do Senhor no púlpito sentia
O amargor da derrota e a angústia do fracasso...

Foi justamente aí que Deus ergueu seu braço
Para mostrar, num gesto heroico de criança,
A glorificação do amor e da esperança.

No fundo do salão, achava-se sozinha
A pequenina Maggie, a meiga aleijadinha,
Que, apesar de tão pobre e inválida, sabia,
Como ninguém ali, infundir simpatia,
Que era como o frescor de um bálsamo bendito
Nas mágoas e na dor de um coração aflito.

Quando o diácono, tendo a bandeja vazia,
Dela se aproximava, uma prece ela erguia
Como um grito de apelo à bondade divina:
- Tu conheces, Senhor, a minha pobre sina;
Quisera te servir como missionária,
No entanto, nada sei e vivo solitária.
Tu sabes como é grande esta minha pobreza,
Mas conheces também minha grata firmeza
Em dar-te a minha oferta! Eu que não tenho nada,
A não ser minha vida, a ti só consagrada,
E esta simples muleta!...
                                             Ah! Sim, esta muleta! ...
Lembro-me agora bem! Foi ali, na saleta,
Que uma boa senhora, um dia, ma ofertou,
Dizendo-me que foi a melhor que encontrou
Nas lojas da cidade. E eu quero ta ofertar!...
Mas sem ela, Senhor,como é que eu vou andar?
É com ela que eu vou ao parque ver as flores
E os pássaros ouvir cantar-te os seus louvores!
É com ela que eu venho aqui para adorar-te
E vou pregar teu nome ao pobre, em toda parte!

Eu não tenho ninguém por mim; dessa maneira
Ela é o meu apoio e a minha companheira...
Ajuda-me, Senhor! Se assim queres que o faça,
Aqui tens minha oferta! E dá-me a tua graça!

E calma, e decidida, e alegre, deposita
Sua única riqueza - a muleta bonita -
No disco de metal da clássica bandeja.

Um sussurro de espanto ouviu-se em toda a igreja...

O diácono, surpreso e comovido, indaga:
- Que é isso, menina?
                                       - É a minha humilde paga
Por tudo o que Jesus por mim soube fazer!
Nada, nada além disso, eu posso oferecer
À causa das Missões! Aceite-a, por favor!
Deus há de me amparar com a mão do seu amor! 

O diácono, chorando, atravessou o templo,
Levando na bandeja o mais sublime exemplo
De completa renúncia e de abnegação:
- A dádiva de Maggie, o próprio coração
De quem, amando mais a Deus que a própria vida,
Cristalizava a fé na oferta desprendida ‑
Pô-la em cima da mesa e, sem poder falar,
Deixou que o seu apelo alçasse em seu olhar.
E o pastor, tendo a voz embargada de pranto,
Dirigiu-se aos fiéis:
                                    - Maggie deu tudo! E quanto
Ireis dar, meus irmãos, à causa das Missões?
Isso não vos constrange os pétreos corações?
Ela o pôde fazer porque antes soube amar.
Porque deu ao Senhor o primeiro lugar!
Irmãos, não vos comove este quadro sublime?
Reter esta muleta é cometer um crime!
Que fareis, então, a fim de resgatá-la?

Notou-se um burburinho estranho em toda a sala;
E a resposta à questão não se fez esperar:
Cada qual levantou-se e foi depositar
Ao lado da muleta a oferta generosa.
E, um instante depois, qual grande e linda rosa,
O monte singular das notas coloridas
Parecia dizer às almas convertidas:
- Agora, sim, podeis louvores entoar,
Pois colocastes a Deus em primeiro lugar!

Alegre e comovido, o piedoso pastor
Do púlpito desceu e foi, cheio de amor,
Levar à aleijadinha a muleta bonita,
Dizendo-lhe:
                         — Aqui tens a dádiva bendita
Que tua alma de santa ao Senhor consagrou,
E fez voltar a Deus a gente que pecou.
Teu gesto de piedade e de abnegação
Teve mais esplendor que a luz do meu sermão!
Foi o apelo melhor que esta Igreja atendeu,
E, pela generosa oferta que ela deu,
Resgatou-a também! Oh, aceita-a de novo!
É a justa gratidão da alma do nosso povo!

                               * * *

E desde aquele dia a Missão das Montanhas
Achou numa muleta o apoio singular
Que fez mover do povo incrédulo as entranhas
Pra dar a Deus, na vida, o primeiro lugar!


2 comentários:

Consultora em Educação disse...

AMOR DE PAI

O amor de pai é indiscutível:
mão calejada, camisa suada,
pressa, canseira,
doação,
o pai é avalista
dos erros na contramão.

O amor de pai é visível:
joelhos dobrados,
prece escondida,
braços abertos,
olhar de ternura,
perdão.

Pai é alguém muito especial:
produtor,
diretor,
ator, figurante
do filme, ao vivo, em cores,
com o roteiro da vida escrito
nas linhas de sua mão.

Ivone Boechat
Publicado no livro AMANHECER 3ª.Ed Reproarte-RJ 2004

Anônimo disse...

Muito bom!
Grande abraço à todos...

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