segunda-feira, julho 16, 2018

Quatro poemas de Neusa Adelaide Figueiredo



Dádiva II

Antes de Ti
tudo eram sombras,
vã memória

elevaste-te
em hino de amor
perfume de cultivo
Gentil

Desceste
na carne, sorriso
e manto perene
de esperança
Teceste.

Aos teus pés
o azul prostrado
rendido, e o sangue
como o sorriso das flores

derramando,
claridades perpétuas.




Dialectos

O amor
baseia-se na força
de quem lapida oceanos
Engole montanhas
E contudo, chora.
Lágrima
talhada no lapidar desenfreado do tempo,
escassez dos membros da
Fauna, gota
envolvente seda
E
faz brotar rosas nos olhos áridos.
Quem pare o amor
Respira dialectos de saber
Ser
E se for,
Dicionário efêmero e universal
necessário à sobrevivência da espécie
Ou uma nova espécie de sal
E Luz
Talvez bússolas ou mapas nos ajudem,
Ou talvez não
E seja apenas necessário
O beijo da palavra e
a pluralidade
de quem abraça com o coração.




O odor de um livro

sinto o seu cheiro
como forasteiro recém chegado
procurando alojamento
inspiro o odor viciante
e parto em digressão
sou eremita abstinente
em terra distante

desbravo clássicos
onde Dumas molha a pena
à guarda do Luzeiro
da mente que não se apaga

renegando ao ardor dos meus olhos
relato em alta voz
o que apenas alcanço
sonhando

fecho um livro e sinto
o seu cheiro amarelo
penetrando
num cérebro pueril
viajando ao século XIX




Aos arrozais

Foi para ti
que cultivei a goma
do riso
Lembras-te?
Na pátria dos esquecidos
Para ti
desfolhei
Colhi, aguardei
todos os sentidos
adormecidos
do estandarte vitorioso
minha miragem
como gomos de ausências na alma traçados
Por ti achei e minei
as frestas (fria)mbulantes
do tempo
esse carrasco que se diz senhor
da dor
Como sabes,
soltei todos os perfumes da terra
que velei
na tua goela longínqua
e encontrei-me
Perdida
em ti cingida sem peito
dando voz ás mil águas
Da nossa foz
onde te Incluo
Incólume
fluente caudal
supremo
de vida.

sexta-feira, julho 06, 2018

Três poemas de J.T. Parreira


É TERRÍVEL SER O SENHOR
"E o Verbo se fez carne e habitou entre nós"
Jo. 1,14
É terrível ser o Senhor e estar sentado à mesa
entre os homens, subir a crosta da terra
até ao cume onde já foram contados outros
malfeitores, andar entre leprosos com a carne
diáfana e pura de ser Deus, partilhar
de todas as manhãs como artesão do sol
É terrível ser o Senhor entre cegos
e andar eterno no limite temporal.


A DÚVIDA
O meu corpo aceita todas as dúvidas, o meu sangue
Que foi um tecido líquido que cobriu as minhas feridas
De novo entre vós com o sinal dos cravos, metei o dedo
No lugar onde os pregos entraram até ao âmago
Dos homens, escutai o meu coração
É um botão da flor do meu amor perfeito por vós
Se vos perdesse, doíam mais as minhas feridas
As dores da cruz são agora a minha maior alegria.



EPÍSTOLA AOS ROMANOS
Miserável homem que eu sou
Paulo de Tarso

Sei coisas terríveis sobre mim, de antes
Da estrada de Damasco, coisas
Que estão dentro da minha memória
E secariam o meu coração, se não fossem
As costas de Deus, atrás das quais tudo cai
No esquecimento
Sei tantas coisas terríveis a meu respeito
A que mais dói
Ter fechado os ouvidos ao último silêncio
De Estevão, quando as pedras sujavam
O seu sangue dolorido.

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