Roberto Torres Hollanda
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Por
causa da medonha e cruel Pandemia (que parece ser impossível de chegar ao fim; se a vontade divina
quiser, somente no dia certo acabará), fui levado para a Asa
Norte de Brasília, onde sentimos igualmente sua ameaça.
Comentando
o flagelo sanitário e social imposto pelo COVID-19, de alcance mundial, num sermão o pastor
Francisco Carlos Soares de Menezes combateu a ansiedade, agora
exarcebada, e resumiu o desfecho com a expressão “Deus não
tem pressa”.
Tive,
então, fazendo uma pausa, bastante tempo para ler alguns poemas, que entraram na hinodia, escritos
por um dos mais importantes literatos da Inglaterra, talvez
o poeta inglês mais original depois de Shakespeare.
John
Donne (1572-1631) pelos críticos literários Ben Jonson (1572-1637) e John Dryden (1631-1700) foi
associado ao movimento barroco denominado “poesia metafísica”.
T.S.Eliot
(1888-1965) reavaliou o trabalho de Donne e de outros poetas “metafísicos”, assim definidos
pejorativamente pelo crítico Dr. Samuel Johnson (1709-1784). Os
ásperos ritmos do poeta Donne aborreceram os ouvidos do crítico.
Donne
era admirado pelos intelectuais George Herbert
(1593-1633) e John Milton (1608-1674).
No
século 17, a literatura e a música da Inglaterra estavam no apogeu: as peças teatrais de Shakespeare,
as críticas de Jonson e Dryden, os poemas de Donne, Herbert e
Milton, a alegoria de Bunyan e a versão bíblica de James I.
Quando
reinaram Stuarts, houve luta entre calvinistas e anglicanos, católicos romanos e católicos
protegidos pela Coroa inglesa, entre políticos elizabetanos e
jacobitas. Na Europa, ainda propagavam-se a Reforma (protestante) e a
Contra-Reforma (católica).
Em
breve período (1620-1630) Donne foi digno sucessor de William
Shakespeare (1564-1616); não sei se Donne em sua poesia retrucava os
versos do Bardo, porém a minha consciência introspectiva, por
ele ter sido notório pecador, mas regenerado como poeta
religioso, diz que Donne teve maiores oportunidades do que o seu
modelo literário.
Donne também contribuiu para a renovação da poesia do seu tempo;
substituiu as alusões mitológicas por conceitos originais; na poesia
“metafísica” a conceituação tem muitaimportância. Na
mentalidade da época, importava, e muito, o tema da morte, quase
sempre tratado melancolicamente.
Por ser católico romano, foi discriminado em
setores intelectuais (Oxford e
Cambridge). Com efeito, abandonou o Catolicismo romano (era
ilegal) e entrou numa terceira via.
Antes mesmo de tornar-se católico anglicano,
entendia a morte de maneira
diferente: “quem vier cavar nossa sepultura nos levará, a bispo
ou a monarca, quais relíquias” (soneto “The Relic” – A
relíquia). Donne adotou a ortodoxia anglicana para se habilitar à
ordenação como sacerdote da Igreja oficial.
Em 1601 tinha sido demitido do cargo de secretário particular (advogado?)
de lorde Egerton, por ter casado secretamente com Anne More;
John e sua esposa tiveram 10 filhos.
Entretanto, James I (Jaime ou Tiago, rei,
1603-1625) ordenou que John se
tornasse ministro anglicano. Em 1611 foi publicada a “King James
Version”, obra de uma comissão de 50 eruditos.
John Dowland (1563-1626), o maior compositor
inglês de música para alaúde,
apadrinhou o ingresso de Donne nos círculos palacianos. Por
isso, John foi nomeado, em 19 de novembro de 1621, capelão
do rei e deão da catedral de São Paulo, em Londres; alí foi
um notável orador sacro, talvez, modelo para os sermões do
padre Antônio Vieira (1608-1697).
Nessas funções continuou
a ser discriminado por alguns confrades; ele, Dowland,
outros poetas e músicos, foram “cancelados” por terem
sido “papistas” (católicos ingleses subordinados ao papa).
Dowland tinha conseguido, em 1612, ser empregado pela corte
inglesa como lutenista de James I. Ele tinha lutado por
oportunidades de trabalho na França, Alemanha e Dinamarca. Na
Itália, envolveu-se, o que era natural acontecer, com católicos
romanos. Sua visão de mundo era profunda e trágica (pecado,
pranto e morte); sua obra é melancólica.
O jovem Pelham Humfrey (1647-1688), em seu estilo patético, musicou o
poema religioso “To God, the Father”.
No século 20, Donne não foi citado por Alphonso
Gerald Newcomer em sua
“History of English Poetry”.
A obra póstuma de Donne (publicada em 1633) compõe-se de: I – poesia
profana: a) canções; b) sonetos; c) elegias: d) sátiras. II – poesia
religiosa: a) poemas (sonetos); b) hinos. III – prosa: a)
devocionais: b) sermões.
Donne influenciou Ernest Hemingway (1899-1961) com a meditação
devocional XVII “never send to know for whom the bell tolls; it
tolls for thee” – nunca mandes indagar por quem o sino dobra;
ele dobra por ti.
John Dowland (1563-1626) foi dos primeiros compositores a aproveitar
peças literárias de Donne, com a canção profana “Go and catch a
falling star” – Apanha a estrela cadente; trata-se de peça de
cunho misógino; além dessa, compôs “Sweet stay a while” e
“To ask for all thy love”.
A obra de Donne expressa o realismo e a objetividade de sua vida; nela a
Morte é lugar-comum em seus sermões, como nas cantatas sacras
de J.S.Bach (1685-1750).
Tanto em prosa quanto em verso, Donne se preocupa com a morte e o conflito
entre corpo e alma.
Num verso de caráter político, manifesta sua
submissão ao rei Jaime I: “O
my America! My new-found land, my kingdom, safeliest when will
one man manned – Oh, minha América!
Oh, meu novo continente,
meu reino (a Inglaterra), a salvo porque um homem, e não uma
mulher, tens à frente. Além de machista, é imperialista:
“My mine of precious stones, my empire, how blest am I in this
discovering thee!” – Minhas minas de pedras preciosas, meu
império; que abençoado sou por descobrir a ti!. James I recitava,
com muita satisfação, estes versos.
Para dar uma noção a respeito da poesia religiosa (hinos) de Donne,
transcrevo e traduzo:
a) “Hymn
to God, my God, in my sickness”:
1. Since
I coming to that holy room where with Thy choir of saints, for
evermore, I shall be made Thy music; as I come, I tune the
instrument here at the door, and what I must do then, think here
before.
– Oh, Deus, meu Deus, em minha enfermidade: Como ao sacro
aposento estou para chegar, onde sempre estarei, afino
aqui, antes de entrar, meu instrumento, meditando sobre o que
devo fazer ao passar por Teus umbrais.
4. Is the Pacific Sea my home? Or are the eastern riches? Is Jerusalem?
Anyan, and Magellan, and Gibraltar, all straits, and none but
Straits, are ways to them, whether where Japhet dwell, or Cham,
or Shem
– Será verdade que o Oceano Pacífico é meu lar? As
riquezas do Oriente? Ou é Jerusalém?
Seja por Anyan (estreito
de Bering), Magalhães, ou Gibraltar, somente estreitos, não
mais do que estreitos (Donne, irônicamente, diz que esses
lugares só foram importantes depois de conquistados pela
Inglaterra), são caminhos para a terra de Jáfé, ou a de Cam, ou a de
Sem (não sou um “ressentido”, como explicado por Harold
Bloom, mas creio que Donne, nestes versos, põe na boca do
Império Britânico os seus projetos expansionistas; faz
referência aos três filhos de Noé, cujos descendentes repovoaram a
Europa, a África e a Ásia, e ao “estreito da febre”, para
significar que deveria passar apertadamente pelo sofrimento durante
a enfermidade.
5. We think that Paradise and Calvary, Christ’s
cross, and Adam’s tree, stood
in one place. Look, Lord, and find both Adams met in me; as the
first Adam’s sweat surrounds my face; may the last Adam’s
blood my soul embrace.
– Pensamos que o Paraíso e o Calvário, a
cruz de Cristo e a árvore de Adão, ficam em um lugar. Oh, Senhor,
procura e acha (aqui Donne está petulante) os dois em mim; o
suor do primeiro estará na minha face; que o sangue do último
Adão minha alma abrace.
6. So, in His purple wrapped, receive me, Lord; by these His thorns give me
His other crown; and, as to others’ souls I preached Thy
word, be this my text, my sermon to mine own; therefore that he
may raise the Lord throws down.
– Em Sua púrpura envolto,
Senhor, dá-me a Sua outra coroa, em vez da do sofrer (Donne diz
que a coroa de glória substituirá a coroa de espinhos). Como a
outros, preguei a Tua palavra. Continua a ser meu texto e
meu sermão, para eu mesmo ler, pois o Senhor derruba, a fim
de soerguer”.
b) “Hymn
to God, the Father”
“1. Will Thou forgive
that sin, when I begun, which was
my sin, though it were done before? Wilt Thou forgive that sin,
though which I run and do run still, though still I do deplore? When Thou hast done, though hast
not done, for I have more.
O
poeta, subliminarmente, põe o nome de sua família (Donne)
neste verso.
-
Esquecerás o pecado quando eu começar a praticá-lo; que
era o meu pecado, embora o tenha praticado anteriormente?
Esquecerás o pecado, quando cometo
e volto a praticálo,
embora eu o deplore? Quando Tu o tenhas perdoado, ou isto não
o tenhas feito, porque eu tenho mais pecado.
Agora, um exemplo de poesia
profana (canção):
“Go and catch a falling star”
“If thou beest born to
strange sights, things invisible go
see, ride ten thousands days and nights, till age snow white hairs
on thee; thou, when thou return’st, wilt tell me all strange wonders
that befell thee, and swear nowhere lives a woman true and
fair”
– Se tens atração por visões estranhas, queres ver coisas
invisíveis, precisarás de dez mil noites e dias (27 anos), até que
a idade faça a neve cobrir tua cabeça com cabelos brancos; então,
quando retornares, narrarás todas as estranhas maravilhas
que te surpreenderam, e jurarás que em algum lugar vive uma
mulher bela e pura.
Em 1945, Benjamim Britten
(1913-1976) ao visitar um campo
nazista para extermínio dos Judeus, teve a inspiração de compor
nove músicas (opus 35) para sonetos religiosos de Donne para
o VII escrevendo: “All whom the flood did, and fire shall overthrown,
all whom war, dearth, age, agues, tyrannies, despair, law,
chance,
hath slain, and you whose eyes shall behold God, and ne-
ver
taste death’s woe”
– Todos os que no dilúvio foram, e no fogo irão;
todos que a guerra, a peste, a idade, o crime, os acasos, as tiranias,
o desespero, a lei e a oportunidade mataram, e você, cujos
olhos verão a Deus, nunca experimentarão o amargor -da
morte.
No soneto religioso X,
corajoso, Donne afirma:
“Death,
be not proud” – Morte, não te orgulhes. ‘One short sleep
past, we wake eternally, and death shall be no more. Death,
thou shalt die”. – Morte, um breve sono a vida eterna traz,
e vai-se a morte. Morte, morrerás.
A poesia de Donne foi
descurada durante quase 400
anos; em sua juventude produziu os poemas profanos, ou
excitantes; na velhice, os religiosos, ou calmantes.
Seu dualismo prenunciou a
fragmentação cultural
e espiritual dos tempos modernos. Pensamos, com Anniia
Jokinen, que ainda enfrentaremos novos desafios e pressões,
culturais e sociais.
Até a MPB (Música Popular
Brasileira) garimpou na
poesia profana de Donne (elegia XIX: “all rest my powers defy”
- Meu corpo desafia todos os ócios – 1620): a versão de Augusto
de Campos, musicada por Péricles Cavalcanti, deu (em
2020, depois de 400 anos) a chancela à linguagem malemolente,
na voz de Caetano Veloso.
Se o prezado leitor tiver
conhecimento de algo escrito
por John Donne que possa ser aproveitado na hinodia evangélica,
sua contribuição será muito bem recebida por mim.
Referências bibliográficas
Edições
impressas
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Vol.3, 2ª. Ed. Rio de Janeiro:
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Paulo. John Donne, o poeta do amor e da morte.
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WEBER,
V. Contrary Music. The Prose Style of John Donne.
Madison, 1964.
EVANGELICAL
LUTHERAN HYMNARY, no. 498.
THE
HYMNAL (1982), nos. 140, 141 e 322.
Edições
eletrônicas
Canção
“To ask for all thy love” – Nicholas Murray/Elizabeth
Kenny
Canção
“Weep you no more” – Anne Sofie von Otter
Canção
“Go and catch a falling star” – John Renbourn
Canção
“I fear no more” – Anton Batagov
Coral
“On the death of the righteous” – Jennifer Higdon
Elegia
XIX – Caetano Veloso.
Hino
“Hymn to God, the Father” – Pelham Humfrey
Hino
– “To God, the Father” – Michael Tippet
Hino
“Hymn to God, the Father” – The White Brothers
Soneto
X – Charles Szabo.
- x –
Brasília,
DF, 27 de fevereiro de 2022. Roberto Torres Hollanda
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http://www.hinologia.org/ http://poesiaevanglica.blogspot/